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O VERBO SE FEZ CARNE

Para o último Domingo do Advento o Cardeal Raniero Cantalamessa convida os fiéis para reflexão acerca do mistério da encarnação. Reflete o frade: "A tradição cristã viu em Maria a nova arca de Deus e na carne do Verbo o novo templo de Deus entre os homens (Jo 2,19.21): Destruí vós este templo [...] Mas ele falava do templo do seu corpo. Com a Encarnação do Verbo de Deus, Deus construiu de verdade uma tenda no meio de nós (cf. Jo 1,14)".

Notícias do Santuário

22.12.2023 - 08:00:00 | 10 minutos

O VERBO SE FEZ CARNE

O nascimento de uma criança não é o início absoluto; é antes a sequência, ou melhor, a conclusão de um evento. Antes de sua "vinda à luz" há sua "vinda ao ser", que se dá no instante íntimo e sagrado de sua concepção. Assim acontece para o Natal de Cristo: ele é a manifestação de um mistério muito mais profundo acontecido antes no seio de Maria: o mistério da Encarnação do Verbo. Um mistério tão grande que envolve toda a Trindade: o Pai, mediante seu poder que é o Espírito Santo, gera novamente, no tempo e na carne, seu Filho.

À luz desta verdade, o Advento toma de improviso um novo significado: é a espera da revelação do mistério, escondido desde séculos eternos em Deus (segunda leitura) e há nove meses também escondido em Maria. A liturgia quer nos introduzir hoje nesta nova dimensão do Advento; por isso, no trecho evangélico, João Batista cede o lugar a Maria; e a profecia, à realidade.

"A proposta de Deus se submete ao "sim" da criatura".

O mistério da Encarnação nos é apresentado com a página de Lucas, que narra a Anunciação. De início, este soa como uma simples proposta de Deus: "O Espírito Santo virá sobre ti, e o Poder do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra; por isso o Santo que nascer será chamado Filho de Deus". A proposta de Deus se submete ao "sim" da criatura, mas já se sabe que aquele "sim", embora ficando livre, não irá falhar, tanto que Deus se antecipou com seu sinal: Isabel, que era estéril, está no sexto mês de gravidez! No evangelho da Anunciação em Lucas falta de maneira estranha a conclusão. A Anunciação não termina, com efeito, com o "sim" de Maria (Faça-se em mim segundo a tua palavra) nem com a “partida do anjo", mas com a vinda do Verbo. A conclusão deve ser procurada no evangelho de João quando diz: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). A perfeita continuidade entre o terceiro e o quarto evangelho, neste ponto, se expressa na oração do Angelus: o Anjo do Senhor anunciou a Maria [...]. Eis aqui a serva do Senhor [...]. E o Verbo se fez carne.

Onde encontrar no Antigo Testamento uma leitura que anunciasse este mistério? Em nenhum lugar. Isto constitui efetivamente a novidade absoluta, o "a mais" e o inesperado, em relação a qualquer profecia. Quando os profetas falavam de uma descida de Deus entre entre os homens, pensavam numa numa condescendência, numa vinda em graça" ou "em glória", como aquela do Êxodo ou do Sinai; nunca numa vinda em carne e osso, isto é, "em pessoa". A este silêncio do Antigo Testamento a liturgia procurou dar um retoque fazendo-nos ouvir, na primeira leitura, a profecia de Natal. Deus recusa o projeto de lhe edificar uma casa terrena e anuncia o projeto de ele edificar uma casa eterna a Davi. Talvez a profecia esteja na primeira parte, isto é, na recusa de se deixar fechar numa arca e num templo de pedra, deixando assim entrever uma casa bem diferente que ele mesmo teria edificado na descendência de Davi. A tradição cristã viu em Maria a nova arca de Deus e na carne do Verbo o novo templo de Deus entre os homens (Jo 2,19.21): Destruí vós este templo [...] Mas ele falava do templo do seu corpo. Com a Encarnação do Verbo de Deus, Deus construiu de verdade uma tenda no meio de nós (cf. Jo 1,14).

"A tradição cristã viu em Maria a nova arca de Deus e na carne do Verbo o novo templo de Deus entre os homens (Jo 2,19.21)".

A respeito da Encarnação, pode-se falar dos pontos de vista teológico, moral ou espiritual. Ao povo cristão falou-se até agora somente do ponto de vista moral ou edificante; quer dizer, falou-se dos efeitos da Encarnação, nunca da "união hipostática" , que é, ao invés, o coração do mistério. Isto ficou assunto restrito aos teólogos. Julgou-se impossível levar este mistério ao nível da compreensão do povo. Mas é um monopólio que precisa ser rompido, começando por suscitar no povo cristão o desejo de conhecer estas coisas e de ouvi-las explicadas com termos acessíveis, no âmbito de grupos bíblicos, de escolas de fé e em outras ocasiões semelhantes que se vão criando na Igreja. É necessário que paremos de dar escorpiões a quem nos pede pão, de dar bebidas aguadas e moralizantes ("o leite") a quem nos pede "alimento sólido" (cf. 1Cor 3,2). O desejo ardente de alguns cristãos de compreender as profundezas da própria fé torna-se muitas vezes um fator de compreensão melhor do que anos e anos de preparação teológica feitos em escolas e sem paixão.

União hipostática, ou pessoal, significa simplesmente isto: na Encarnação realizou-se entre Deus e o homem uma união tão íntima e profunda de modo a formar dos dois um único ser, ou - como definiu o Concílio de Calcedônia - "uma só pessoa": Jesus Cristo. Aquele que antes falava os homens por meio dos profetas, isto é, de longe, ou seja, de fora - agora nos fala no Filho, isto é, de dentro da humanidade (Hb 1, 1ss). De dentro da humanidade, mas também de dentro da Trindade, já que o filho nascido de Maria é o Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade.

Deus se introduziu no seio da humanidade para gerar uma nova vida. Como é impossível separar as águas de dois rios que se encontram, assim (aliás, infinitamente mais) é impossível separar em Cristo a humanidade e a divindade. Isto faz que haja no mundo em ato já agora um diálogo estável entre Deus e o homem. Um diálogo bem próximo e íntimo porque o "eu" e o "tu" são aqui a mesma pessoa. Não mais: assim diz o Senhor, mas: eu vos digo. E a coisa maravilhosa é que todos podem entrar naquele diálogo; todos o podem tornar próprio na oração; todos podem se dirigir a Deus como filhos no Filho. Nós, em outras palavras, podemos dizer a Deus: Abbá, porque houve a Encarnação.

"Deus se introduziu no seio da humanidade para gerar uma nova vida". 

A Encarnação funda também todo o empenho moral do cristão. Um empenho que se define, em geral, como imitação de Cristo. Tornando-se homem, Cristo já pode dizer ao homem: Aprendei de mim. Vinde após mim. Em vez da moral baseada na Lei, agora vigora a moral baseada no seguimento de Cristo. Mas talvez, antes da imitação de Cristo por parte do homem, deva-se lembrar com força que houve uma imitação do "homem" por parte de Cristo. Eis como a expressa poeticamente Charles Péguy: "Fala-se sempre, diz o Senhor, da 'imitação de Jesus Cristo' que é a imitação, a fiel imitação de meu filho por parte dos homens... Mas não se deveria esquecer que meu filho tinha começado com aquela imitação singular do homem. Particularmente fiel. Aquela foi levada até a perfeita identidade. Quando tão fielmente, tão perfeitamente assumiu a sorte dos mortais. Quando tão fielmente, tão perfeitamente ele imitou o nascer. E o sofrer. E o viver, e o morrer" (Le mystère des Saints Innocentes). 

Todas nossas possibilidades e toda nossa esperança se fundam agora sobre esta divina imitação do homem; nós podemos imitar a Cristo e fazer com ele um só espírito (1Cor 6,17), porque ele, por primeiro, dignou-se fazer conosco "um só corpo", quando "se fez carne e habitou entre nós". Deus e o homem - diz um Padre da Igreja - se servem mutuamente de modelo: Deus se torna semelhante ao homem por amor ao homem, e assim o homem pode tornar-se semelhante a Deus (São Máximo Confessor. In: PG 91, 1113).

 "Deus se torna semelhante ao homem por amor ao homem,
e assim o homem pode tornar-se semelhante a Deus".

À luz da Encarnação, o compromisso moral do cristão toma o aspecto de um compromisso para o homem e para o mundo. E o Verbo se fez carne significa também que Deus se inseriu totalmente em toda a realidade humana e terrena, que se comprometeu com ela. De modo real e não docetista; não de leve, isto é, com a ponta do dedo, sem passar através de toda a sua opaca espessura de miséria e de dor. Deus assim fez seu, novamente, este mundo saído de suas mãos; fez seus a vida, o sofrimento, a dor, o trabalho, o suor da fronte e o alimento; fez seu não só o que provinha dele, mas também aquilo que provinha do homem e do pecado do homem. Agora nada pode ser estranho ou demais material para o cristão, menos ainda seu corpo. Para os puros todas as coisas são puras (Tt 1,15): tudo é puro para quem é puro de coração; somente o que sai de um mau coração mancha o homem.

Jesus, em sua vida, foi coerente com sua Encarnação: estava livre diante das coisas (isto é, pobre e desapegado), mas interessado e sensível às coisas. Sabe admirá-las e alegrar-se com elas sem querer desfrutá-las para si; suas parábolas são um testemunho vivo de seu modo livre e límpido de olhar as flores, os pássaros, a mulher, o alimento, a bebida, o sono. 

"Um cristão não deveria ver uma criança desnutrida e descalça sem pensar imediatamente em Jesus Cristo; Ele está presente nela".

Eu dizia: sensível às coisas; devo acrescentar: sensível, sobretudo, a uma coisa, isto é, ao sofrimento, que é a nota mais dolorosa deste mundo: Enviou-os a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos (Lc 9,2) constituem para Jesus duas preocupações inseparáveis. Os pobres! Hoje se fala muito deles; mas será, enfim, verdade que "nos importam os pobres" mais do que eram importantes para Judas? (cf. Jo 12,4-6). Olhando ao redor a realidade social do mundo, somos obrigados a concluir negativamente. Há anos fala de crise econômica, no Natal continua a fazer loucas despesas, muitas delas supérfluas e inúteis e até prejudiciais à saúde, enquanto sabemos que muitos dos nossos irmãos não têm calorias suficientes para sobreviver. Um cristão não deveria ver uma criança desnutrida e descalça sem pensar imediatamente em Jesus Cristo; Ele está presente nela, aliás, se identificou com ela (com "os mais pequenos entre seus irmãos", como os chama o Evangelho). Nossa fé na Encarnação deve se traduzir, sobretudo, em sensibilidade e compromisso pelos que sofrem e pelos pobres. Aquilo que gostaríamos de fazer a ele para honrar sua carne, o devemos fazer aos irmãos que são sua carne exposta e sofredora.

 "Os pés nus de uma criança do Terceiro Mundo são os pés nus de Jesus". 

Recordar sua Palavra: foi a mim mesmo que o fizestes [...] foi a mim que o deixastes de fazer (Mt 25,40.45). Não devemos venerar a cabeça do Senhor que ressuscitou e está no céu e calcar aos pés, sem notar, seus pés nus que estão ainda sobre esta terra; porque os pés nus de uma criança do Terceiro Mundo são os pés nus de Jesus. É esta "a moral" do Natal. Que o Senhor nos fortifique e nos ajude a traduzi-la na realidade da vida.

Fonte Cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap. In: O verbo se faz carne: Reflexões sobre a Palavra de Deus - Anos A, B e C.
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