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EVANGELHO DE JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS

Neste 2° Domingo do Advento, Frei Raniero Cantalamessa traz o tema do nome de Jesus Cristo dentro da narrativa histórica da Salvação, baseado nos evangelhos: "E o próprio Marcos, ao longo de todo seu evangelho, o faz entender. “Cristo” não é um nome qualquer, é um título e é uma afirmação; significa, com efeito, Jesus é o Cristo, isto é, o Messias".

Notícias do Santuário

08.12.2023 - 12:00:00 | 11 minutos

EVANGELHO DE JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS

No ano litúrgico há pouco iniciado, temos como guia o evangelista São Marcos. Marcos era de Jerusalém e era criança quando Jesus foi morto. Foi antes discípulo de São Paulo; os Atos dos Apóstolos o designam como João Marcos. A certo ponto, seguiu o apóstolo Pedro, recebeu de viva voz o testemunho e, enquanto estava com ele em Roma, entre os anos 60 e 70 d.C., escreveu seu evangelho, que é o mais antigo dos quatro, a fonte, portanto, mais importante para conhecer a história de Jesus. Deste evangelho de Marcos, hoje a liturgia nos fez ouvir o início simples e solene: Início do evangelho do Jesus Cristo, Filho de Deus. São cinco ou seis palavras que resumem, porém, em síntese, todo o Evangelho e das quais se irradia uma luz extraordinária. Se o Advento deve introduzir-nos no conhecimento "daquele que deve vir" , nós permanecemos hoje mais do que nunca no espírito do Advento, fixando nossa atenção nessas palavras. Poderíamos intitular assim este nosso esforço: uma comunidade cristã descobre a raiz de sua fé, examina seus títulos de posse da verdade.

A palavra "início" tem aqui um grande valor semântico: pode significar "o início histórico" do Evangelho e então nos remete ao momento em que Jesus começou a pregar seu Evangelho, isto é, em torno do ano 28 d.C.; pode significar "início literário", isto é, começo da narração, ou do livro, que contém a pregação de Jesus. Ambos os sentidos são verdadeiros e estão compreendidos na frase de Marcos.

As palavras "evangelho de Jesus Cristo" significam a boa notícia, que diz respeito a Jesus Cristo, isto é, que tem Jesus Cristo como "objeto". Elas não mostram ainda quem é o "sujeito" que faz este anúncio, que divulga a boa notícia sobre Jesus Cristo. Mas ele está claramente subentendido; não é Marcos nem Pedro; é a Igreja, a comunidade que já abraçou aquele anúncio, que foi por ele transformada e que agora o anuncia ao mundo. A igreja é o ambiente vital (o Sitz im Leben, como dizem os estudiosos) em que se "formou" o anúncio e onde foi escrito depois de por alguns anos ter se desenvolvido sob a forma de testemunhos e lembranças orais. O sentido da frase, portanto, este: início da boa notícia "sobre" Jesus Cristo, "por parte da" Igreja.

"O motivo de tanto "segredo" era que aquele título, na nova modalidade entendida por Jesus, não podia ser compreendido antes da cruz".

"Jesus Cristo" parece ser como o nome e o sobrenome de uma mesma pessoa (como nós dizemos Dante Alighieri ou Alexandre Manzoni). Mas não é bem assim. E o próprio Marcos, ao longo de todo seu evangelho, o faz entender. “Cristo” não é um nome qualquer, é um título e é uma afirmação; significa, com efeito, Jesus é o Cristo, isto é, o Messias. Ele contém o "segredo" de Jesus, algo que não deveria ser divulgado levianamente, tanto que depois da profissão de fé de Pedro (Tu és o Cristo) ele impõe aos discípulos que não falem daquilo com ninguém (Mc 8,30). O motivo de tanto "segredo" era que aquele título, na nova modalidade entendida por Jesus, não podia ser compreendido antes da cruz.

Mas não chegamos ao assunto mais importante. O ponto mais alto da frase foi alcançado somente no fim, com o título "Filho de Deus": Início do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Marcos colocou no início de seu evangelho um ato de fé: Jesus Cristo, Filho de Deus. Cronologicamente foi a última descoberta, uma descoberta que os discípulos só fizeram depois da Páscoa, à luz de Pentecostes; mas ela é situada aqui no início do Evangelho para afirmar que Jesus era Filho de Deus já no começo de sua missão, também se os homens não estavam ainda preparados para reconhecê-lo como tal; é colocada aqui talvez para se opor à incipiente heresia dos adocionistas, os quais sustentavam que Jesus tinha se tornado Filho de Deus no tempo, graças aos méritos adquiridos em sua vida terrena.

Desse modo, portanto, nasceu e se desenvolveu a fé cristã, em torno da certeza de que Jesus é o Filho de Deus. Ela constituiu o "coração" do anúncio apostólico; quem chegava à fé, começando por aquele primeiro - muitas vezes esquecido - crente pagão que foi, para Marcos, o centurião romano que presidiu à execução de Jesus: O centurião que estava diante de Jesus, ao ver que ele tinha expirado assim, disse: "Este homem era realmente o Filho de Deus" (Mc 15,39; cf. também At 8,37: "Se crês de todo o coração, podes sê-lo" (batizado). Respondeu então o eunuco: "Eu creio", disse de "que Jesus Cristo é o Filho de Deus").

"Este homem era realmente o Filho de Deus". 

Assim nós que cremos, nascidos vinte séculos depois, graças ao evangelho escrito por Marcos, podemos entrar em contato com a fé em Jesus Cristo da primitiva geração cristã. Mas o que significa e que finalidade tem este contato? Somente o de reavivar uma memória histórica ou de reviver fé pessoal em Jesus? A este ponto, as palavras com que Marcos "inicia” seu evangelho lembram as palavras com que o conclui: Depois que o Senhor Jesus lhe falou, foi levado ao céu e está sentado à direita de Deus (torna-se Kyrios, Senhor!) Os discípulos partiram e pregaram por toda parte. O Senhor cooperava com eles (estava à direita de Deus e agia junto com eles!) e confirmava sua palavra com os milagres que a acompanhavam (Mc 16,19s).

O anúncio é tal se é anunciado, se circula, se se torna notícia e "boa notícia" para os irmãos. Se assim não for, torna-se como o talento escondido debaixo da terra (também se debaixo da terra significasse o íntimo do próprio coração) e que se transforma em condenação para quem o recebeu: Servo mau  [...]! (Lc 19,22).

"Está na hora de retomar a boa notícia sobre Jesus Cristo,
Filho de Deus, para gritá-la com força".

Acodem-me à mente, neste ponto, as palavras de Isaías ouvidas na primeira leitura de hoje: Subi a uma alta montanha, para anunciar a boa-nova a Sião. Elevai com força a voz, para anunciar a boa-nova a Jerusalém. Elevai a voz sem receio, dizei às cidades de Judá: "Eis vosso Deus!". Marcos e Isaías falam da mesma pessoa, porque "o nosso Deus" é um só e porque em Jesus Cristo é Deus mesmo que "visitou o seu povo" (Lc 7,16). Está na hora de retomar a boa notícia sobre Jesus Cristo, Filho de Deus, para gritá-la com força (é o sentido do kerigma!) em Jerusalém e nas cidades da Judeia, isto é, na Igreja e fora da Igreja. Isaías nos oferece o paradigma de como se deveria anunciar hoje o Evangelho, com qual força profética e qual vigor carismático; ensina-nos também como fazer deste anúncio um anúncio de libertação e de consolação para o homem da atualidade, curvado também ele sob o jugo de tantas escravidões: Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração (não só à inteligência) de Jerusalém e dizei-lhe em alta voz que a sua servidão está cumprida. Acabou, basta que tu queiras reconhecer o tempo da tua visita (cf. Lc 19,44).

Também João Batista nos oferece um esplêndido exemplo de proclamação do Evangelho. Os conteúdos de seu anúncio - isto é, os títulos com que fala de Jesus - são ainda títulos "pobres", ele fala no início da história de Jesus, não no fim, não depois da Páscoa. Tudo o que ele compreendeu a respeito dele é que se trata de alguém de quem ele não é sequer digno de aproximar-se para desatar-lhe as sandálias; que é "o mais forte'", aquele que batizará no Espírito Santo e que desafiará, por assim dizer, o mundo a ferro e fogo (Mateus, no passo paralelo, fala de "Espírito Santo e fogo"), quer dizer, que executará o juízo escatológico. Jesus é para ele ainda um mistério, alguém com o qual não há comparações à disposição; mas não é ainda “o Filho de Deus”.

Portanto, ele não é mestre nos conteúdos, mas no modo com que proclama Jesus. Ele teve a capacidade de fazer sentir Cristo "perto", às portas (Jo 1,26), como alguém que está "no meio" dos homens e não como uma abstração mental; como alguém que já tem na mão a pá (Mt 3,12) e se apresenta para atuar o juízo, por isso não há mais tempo a perder. A força de seu anúncio estava em sua humildade (Jo 3,30): Importa que ele cresça e que eu diminua, em sua austeridade e em sua coerência. Não se pode anunciar de modo confiável a boa notícia de Jesus Cristo Filho de Deus vivendo no luxo e na moleza, "morando em casas de rei", como disse Jesus (uma palavra que deveria fazer refletir alguns cristãos de hoje que moram efetivamente em casas de rei). Se a Boa-Nova deve ser anunciada aos pobres, deve ser anunciada em atitude de pobreza, isto é, por pessoas que não desmentem com a vida as bem-aventuranças que pregam por palavras. Também estas coisas fazem parte daqueles "sinais que confirmam a Palavra" sobre a qual nos fala o final do evangelho de Marcos. Os outros sinais — os prodígios operados por Deus - virão em seguida, se não faltarem os primeiros.

 "Se a Boa-Nova deve ser anunciada aos pobres, deve ser anunciada em atitude de pobreza, isto é, por pessoas que não desmentem com a vida as bem-aventuranças que pregam por palavras". 

A lição que podemos aprender, portanto, por meio de João Batista é: para sermos testemunhas e evangelizadores de Jesus, não se requer necessariamente uma grande teologia e sabermos usar com perfeição a linguagem cristológica; não é necessária uma capacidade de produzir raciocínios complicados - a de Batista é uma cristologia "pobre"; em questão de Cristo, "o menor no reino dos céus" sabe mais do que ele. Requer-se, no entanto, coragem, convicção, experiência (entenda-se: experiência de Cristo) e coerência. Também os simples e os incultos, por isso, podem ser evangelizadores e tornar-se "pescadores de homens".  O convite está aberto a todos; neste tempo de despertar, Jesus passa dizendo a todos: Queres ser minha testemunha? Queres ser meu precursor? Ninguém se deveria eximir dizendo: "não sei falar, ou sou jovem" (Jr 1, 6). Pois ele nos dará a palavra e a força.

Hoje precisamos de anúncios inspirados e corajosos, como os de Isaías e de João Batista; diante deles o mundo não poderia ficar insensível, como acontece quando se fala de Jesus Cristo só com sabedoria de palavras, com livros que não acabam mais, mas sem a força e sem a coerência de vida. São Paulo afirmou que ninguém, falando sob a ação divina, pode dizer: “Jesus seja maldito”;  e ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor”, senão sob a ação do Espírito Santo (1Cor 12, 3). A razão mais forte - porque o mistério é ainda maior - ninguém pode dizer: Jesus é o Filho de Deus, a não ser pela ação do Espírito Santo. A oração, portanto, é a geradora do anúncio; só nela se obtém aquele Espírito que faz dizer: Eu cri, por isto falei (2Cor 4, 13). Princípio da Boa Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus: para nós, esta frase lapidar de Marcos assume hoje o valor de um apelo, de uma ocasião de salvação: reconhecer que Jesus é o Filho de Deus é o início e o fundamento do Evangelho. E a rocha do cristianismo: Quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo (1Cor 3,11). Aquele que tentasse hoje colocar um fundamento diferente - num Jesus somente homem, ou somente profeta - não edificaria, mas destruiria.

 "Vos fala sem reconhecer quem é Jesus Cristo, não lhe presteis ouvido!" 

"Se alguém" - escreve Inácio de Antioquia, na época em que começavam a circular as primeiras heresias sobre Jesus - "vos fala sem reconhecer quem é Jesus Cristo, não lhe presteis ouvido!". 
Agora sabemos quem é "aquele que deve vir" e que o tempo do Advento nos convida a esperar. Estamos, porém, na fé, ainda não estamos na visão; ele permanece para nós, não obstante tudo, um mistério a ser crido e diante do qual só resta humilhar-se como João Batista. Paremos de falar dele e confiemo-nos à Eucaristia. Aquele de quem não somos dignos de desatar os laços das sandálias faz-se agora nosso alimento e nossa bebida; vem sustentar e iluminar desde dentro a nossa fé e a nossa espera. Talvez ele nos faça entender qual é para nós aquele "alto monte" que devemos escalar e sobre o qual nos espera para dar-lhe testemunho.



Fonte Cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap. In: O verbo se faz carne: Reflexões sobre a Palavra de Deus - Anos A, B e C.
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