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“A ESPERA E A GRAÇA”

No 1ª Domingo do Advento somos convidados a refletir acerca da Esperança e da graça. Meditemos com Frei Raniero Cantalamessa: "A graça é a "presença" da salvação (como a glória é sua esperança); ela é o advento sempre em ato, que não se estende no tempo, mas na alma, porque o "advento" significa visita e a graça não é outra coisa senão isto: Deus que visita o homem, transformando-o, com sua presença, de um pobre ser cheio de fraqueza num participante da natureza divina (2Pd 1,4), numa criatura que Deus ama e na qual "se compraz".

Notícias do Santuário

01.12.2023 - 08:00:00 | 9 minutos

“A ESPERA E A GRAÇA”

Um novo ano litúrgico tem início neste domingo. Considerado também como o ano da Igreja, o ano litúrgico tem a mesma duração do civil, diferenciando-se em conteúdo e datas de início e fim. Elemento comum entre os dois é o domingo, dia que nas nações cristãs marca o ritmo tanto de um quanto do outro, constituindo uma espécie de ponto de encontro entre natureza e graça.
Ao me referir a conteúdo diferente, quis dizer, com efeito, que o ano civil se desenrola em dias, meses e estações que somente refletem o ritmo do cosmo; isto é, o movimento de rotação da Terra em torno de si mesma e a revolução anual em torno do Sol, do qual depende o alternar-se do dia e da noite, do calor e do frio. O ano litúrgico supõe tudo isso, da mesma forma que a graça supõe a natureza; mas acrescenta uma dimensão nova: a história. Exatamente a história que tem por protagonistas Deus e o homem, e que interessa, por isso, a todos os homens, e em comparação à qual toda outra história pode parecer particular e de pouca importância.

O ano litúrgico é evocação e atualização (isto é, memória e presença) de toda a história da salvação "já" realizada e é, ao mesmo tempo, promessa e antecipação da história da salvação que "ainda" deverá realizar-se. Cada tempo ou ciclo litúrgico faz reviver uma fase particular dessa história da salvação; os tempos litúrgicos são, por assim dizer, as estações do ano litúrgico; entre eles, o Advento representa a primavera, estação da espera e das promessas.

Os textos deste primeiro domingo nos permitem descobrir o que é o Advento: é memória, presença e espera, como, aliás, toda a liturgia da Igreja. Memória e espera. Vejamos Isaías, o profeta que viveu setecentos anos antes de Cristo: Sois vós, Senhor, o nosso pai, nosso Redentor [...]. Por que, Senhor, desviar-nos para longe de vossos caminhos. Voltai, por amor de vossos servos e das tribos de vossa herança! A lembrança da bondade de Deus nos faz descobrir a tristeza da situação presente, mas nos leva a esperar, para o futuro, uma nova intervenção divina.

 "... viver concentrando a atenção não só da mente, 
mas também do coração e de toda a vida...". 

A espera ressoa também no texto evangélico, que suscita a solene palavra-chave: Vigiai! É uma palavra que faz de nós discípulos, sentinelas ou, como disse Jesus, porteiros. Será como um homem que, partindo em viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos (Mc 13,34), Esta parábola do porteiro, constituída de breves palavras mais modernas do Evangelho; mais atual, talvez, hoje que no tempo de Jesus (raros palácios tinham então o porteiro e suas tarefas eram bem mais fáceis que hoje). A vida do porteiro num prédio moderno de cidade é realmente uma parábola viva para o cristão. Nunca afastar-se sem ter um substituto, fechar as portas, vigiar quem sai e quem entra, cuidar para que não haja invasão de ladrões; enfim, vigiar sempre. Sua vida é uma vida desperta, ou melhor, de "atenção". Originária do vocábulo latino ad-tendere, isto é, tender a, ou para alguma coisa, "atenção" é a palavra que reúne o sentido de todas as metáforas usadas por Jesus no contexto destes discursos escala-lógicos: Ficai de sobreaviso, vigia! É viver concentrando a atenção não só da mente, mas também do coração e de toda a vida; viver tendendo para alguma coisa, prontos a captar todos os sinais que anunciam sua presença.

Em oposição a esta vigilância há o "desespero" daquele que não espera mais nada do futuro, daquele que desistiu de esperar (e de crer) e vive por isso seu dia na resignação ou na raiva; ou a "preguiça", o sono espiritual de quem ainda espera, mas não faz nada para atender ao objeto de sua esperança; daquele que presume - como se dizia uma vez - se salvar sem mérito. Em ambos os casos, o resultado é uma vida nebulosa e chata, sem tensão espiritual, sem lampejos de fé, sem arrependimento nem caridade. Uma lâmpada apagada, um sal que ficou insípido, uma coisa tépida sobre a qual pesa a ameaça divina: Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te (Ap 3,16).

É muito oportuno que no início do Advento a Igreja dê um grande destaque àquelas palavras de São Paulo: "Já é hora de despertardes do sono (Rm 13,11).

Até aqui a primeira e a terceira leitura. Hoje, porém, gostaria de me deter mais na segunda leitura e tomá-la como o eixo da reflexão da Palavra de Deus. Ela nos fala ainda "do dia do Senhor" , isto é, da espera; mas nos fala, sobretudo, de presença: Assim, enquanto aguardais a manifestação e nosso Senhor Jesus Cristo, não vos falta dom algum [...]. Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. O cristão, portanto, não vive só na espera de Cristo, mas também em comunhão com Cristo, isto é, na posse daquilo que espera.

"O cristão, portanto, não vive só na espera de Cristo, mas também em comunhão com Cristo, isto é, na posse daquilo que espera".

Isto nos recorda o tempo do Advento. No trecho ouvido (saudação inicial da carta aos Coríntios), São Paulo contempla a comunidade como ela aparece ao olhar de Deus: "Enriquecida de todos os dons". A realidade essencial, o dom de Deus do qual nascem todos os outros dons, está resumida numa palavra que aparece três vezes no breve tópico lido.

Graça era até pouco tempo a palavra mais comum do linguajar do cristão: crescer em graça, perder em graça, viver em graça, morrer em graça. A graça era tudo. De algum tempo para cá, ela se tornou uma das tantas palavras cristãs que entraram em crise. Omite-se facilmente e compreende também o porquê. Tínhamos institucionalizado também a graça, relacionando-a rigidamente às nossas obras e à exclusiva mediação da Igreja visível (pessoas, sacramentos). Tínhamos "canalizado" a graça (falava-se dos canais da graça), enquanto ela é algo muito livre, que sopra onde quer, como o Espírito de Deus, do qual é quase sinônimo. Tínhamos assim quantificado a graça, ofuscando a gratuidade e enfraquecendo a transcendência, ou a tínhamos volatilizado em sutis discussões metafísicas.

Que era a graça para São Paulo, que foi seu teólogo por excelência e criador desse termo? É a síntese de todos os bens dados por Deus Pai, em Jesus Cristo, e participados a nós no Espírito Santo. Outra palavra que pode exprimir vigorosamente a mesma coisa é salvação, ou, na linguagem de João, "vida". Seu conteúdo é tão rico que precisa ser traduzido numa série de outros conceitos: justificação, fé, paz, esperança, glória: Justificados, pois, pela fé temos a paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Por ele é que tivemos acesso a essa graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança de possuir um dia a glória de Deus (Rm 5,1-2).

A característica principal da graça é ser um dom gratuito de Deus (cf.Rm 3,21ss). Exclui - pelo menos na origem - as obras, o mérito, a observância da lei: Porque é gratuitamente que fostes salvos mediante a fé. Isto não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus. Não provém das obras, para que ninguém se glorie (Ef 2,8-9). Procura o mérito, a causa, a justiça - exclama Agostinho — e vê se encontras outra coisa a não ser graça (Sermão, 185; PL 38, 999).

"A graça é algo do qual não podemos dispor, mas ela dispõe de nós transforma-nos dando-nos uma nova identidade".  

A graça é algo do qual não podemos dispor, mas ela dispõe de nós transforma-nos dando-nos uma nova identidade, que se exprime nos títulos de filhos de Deus, irmãos de Jesus Cristo, templos do Espírito Santo. É uma identidade que "agrada" a Deus. Nós associamos facilmente graça com beleza; e é disso mesmo que se trata. No Novo Testamento, para definir pessoas e obras como boas e santas, afirma-se que são belas (kalós) (cf. 1Pd 4,10; Jo 10,32). Santa Catarina de Sena, que contemplou um dia uma alma em graça, disse que sua beleza lhe pareceu muito semelhante à do próprio Deus. É esta beleza de graça que o apóstolo saúda na carta aos Coríntios com as palavras: a vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e da parte do Senhor Jesus Cristo! (1Cor 1,3).

No centro desta grandiosa realização está Cristo: Pois a Lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo (Jo 1,17). Toda a vida cristã, para Paulo, desenrola-se sob o signo da graça. Ele justifica em cheio, com sua doutrina, aquela exclamação de Bernanos: "Tudo é graça!" 

"Tudo é graça!" 

Esta minha exortação, mais do que traçar um quadro completo da doutrina da graça, é um convite para se encantar de novo com esta palavra rara, tirá-la do esquecimento e do desinteresse, redescobrir a profundidade que é grande como a profundidade de Deus, para saborear sua doçura e alimentar a esperança.

A graça é a "presença" da salvação (como a glória é sua esperança); ela é o advento sempre em ato, que não se estende no tempo, mas na alma, porque o "advento" significa visita e a graça não é outra coisa senão isto: Deus que visita o homem, transformando-o, com sua presença, de um pobre ser cheio de fraqueza num participante da natureza divina (2Pd 1,4), numa criatura que Deus ama e na qual "se compraz". 

De tudo isto agora nos será dado um sinal visível e um penhor seguro: a Eucaristia. 


Fonte Cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap. In: O verbo se faz carne: Reflexões sobre a Palavra de Deus - Anos A, B e C.
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